02/03/08

Visita do Príncipe da Beira


Aqui assistimos, muito de perto, a tudo quanto se passou com a visita do Príncipe Real, D. Luís Filipe, em Agosto daquele ano de 1907, data em que a Beira foi elevada à categoria de cidade.
Por qualquer mal entendido na organização do programa da visita, que fora tido, aliás, por aprovado superiormente, houve uns tantos desencontros que tiraram à recepção o brilho que se lhe poderia ter dado. Contava-se com o desembarque, segundo o programa, para pouco depois da chegada do «África», cerca das 10 horas. O público da terra estava avisado e solicitado para comparecer na ponte-cais a assistir ao desembarque, dando nessa altura os «vivas» e demais demonstrações de regozijo, e, a seguir deveria ter lugar a recepção na Residência. Concluída esta haveria almoço de sessenta talheres, para o qual haviam sido convidadas todas as pessoas gradas da terra.
O primeiro desencontro foi logo nesta primeira parte. Sua Alteza e comitiva ficaram a bordo, não vindo almoçar a terra, e o desembarque só se efectuaria pelas 14 horas. Foi preciso dar contra-aviso, ou antes, contra-convite para o almoço e marcar nova hora para a recepção. O público que havia comparecido na ponte-cais, na sua quase totalidade, debandou desconsolado e, como a terra não era provida de meios de transporte ao alcance de todos, os que depois voltaram à ponte-cais às 14 horas eram em número sensívelmente reduzido, e já não houve os projectados «vivas».
Realizada a recepção às 15 horas, seguiu-se uma visita ao Motundo, onde nada havia preparado, porque não constava do programa, já então completamente posto de parte. Após a vinda do Motundo, houve a cerimónia da primeira pedra do actual Tribunal da Comarca, e, em seguida, a inauguração da Escola de Artes e Ofícios.Havia no local uma kermesse onde o régio visitante e sua comitiva se entretiveram até ao começo da noite. Nessa altura notou-se a falta de luzes e foram-se buscar, rapidamente, os candeeiros de poste, uma meia-dúzia, que iluminavam o cais da Alfândega. Também não se contava com isto porque a inauguração da Escola estava marcada no programa para muito mais cedo.
De volta à Residência pelas 20 horas, foram preparar-se os visitantes para o jantar de gala, marcado para as 20,30 horas. Logo a seguir ao jantar quiseram retirar-se para bordo, o que também foi incidente novo, porque se contava com alguma demora, como é de uso após qualquer banquete.
Seguiram, pois, os visitantes para bordo; mas como os candeeiros de poste ainda continuavam na kermesse da Escola, estava o cais da Alfândega e a ponte-cais às escuras e o embarque efectuou-se à luz de fósforos.
Seguiu o «África» para Moçambique e, no regresso, passados meia-dúzia de dias, voltaram Sua Alteza e comitiva a desembarcar, mas desta vez com destino a Manica onde passaram três dias em visita às minas.
Naquele tempo da ida a Moçambique, chegou um telegrama de Lisboa em que se transmitiam os reparos oficiais pelo pouco entusiasmo da recepção na Beira, aludindo-se à falta dos vivas, embarque às escuras e uso dos fósforos. O que não se sabia em Lisboa, naquela altura, mas soube-se depois, é que, propositadamente ou não, o programa havia sido posto de parte, o que tinha, fatalmente, de dar lugar a desorganização com as consequências que se viram.

50 anos de África, por J. Oliveira da Silva
Diário de Moçambique, Beira, 4 de Junho de 1953, p. 1 e 10; 16 de Junho de 1953, p. 1 e 5]

texto enviado pelo Dr. António Sopa